Eu gostaria de escrever hoje sobre coisas como os novos microcontroladores de baixíssimo consumo da Texas Instruments como Stellaris e o MSP430.
Adoraria comentar sobre o fato de não haver nenhuma tradução para o espanhol ou inglês para livro que tanto impressionou Freeman Dyson quando era jovem: Cours d'analyse de l'École polytechnique de Camile Jordan.
Gostaria de compartilhar a minha perplexidade ao perceber que livros clássicos como este são bem difíceis de achar, mesmo em línguas como inglês e espanhol. Existem surpreendentemente poucas edições da Aritmética de Diofanto, das Cônicas de Apolônio de Perga (não confundam com Apolônio de Tiana por favor, ou Apolônio de Rodes, bem, não creio que preciso me preocupar com isso, as pessoas não podem confundir coisas de que nunca ouviram falar).
Eu tinha inúmeros projetos para este blog sempre adiados, comentar a Orestíada (mais conhecida aqui por Orestéia, nome que confesso não gosto) de Ésquilo , onde Orestes é obrigado a cometer um assassinato por dever familiar para vingar a morte de seu pai, e que no final é salvo quando acontece pela primeira vez um julgamento com júri. Atena, uma deusa de uma geração mais nova, a deusa da razão, intercede por ele ao contrário do que as Erínias, deusas da vingança queriam. É uma linda fábula sobre o início da civilização e do estado de direito, que considero uma das mais lindas estórias gregas junto com Prometeu Acorrentado (que talvez seja também de Ésquilo) e que com certeza influenciou Sofócles em sua peça muito mais famosa Édipo Rei.
Adoraria comentar sobre como Tito Lívio me influenciou profundamente, assim como influenciou a gerações antes de mim, de Shakespeare a Fernando Pessoa. Sobre como acho que Roma teve um impacto muito maior na estrutura da nossa sociedade atual que a Grécia (embora certamente não na matemática), mas que isso hoje está esquecido, o que Michael Lind chamou de “A segunda queda de Roma”.
Sempre tento, mas não consigo, entre meu trabalho, meu filho e minha exaustão, reunir forças para escrever sobre estas coisas que adoro.
Em geral quando escrevo aqui cito referências de uma maneira minuciosa e quase compulsiva, acreditando que não há valor em ouvir dizer, e acreditando que muitas vezes livros ruins com bibliografias boas me formaram melhor que livros bons com bibliografias ruins, me mostrando que se somos o que somos, os poderosos homens modernos com aviões e Internet, é graças a ideias simples de homens que hoje são esquecidos.
Mas hoje surgiu um assunto do qual não posso me omitir, sob pena de ser covarde como nossos supostos líderes; a liberdade de expressão. Não há tempo para bibliografias ou referências. Hoje estamos sob um perigo tal que não cabe atraso na ação.
Fiquei melancólico ao ver de passagem no Jornal da Cultura a jornalista premiada Maria Cristina Poli fazer o infeliz comentário que a visita da “blogueira” (não existe termo mais elogioso?) cubana Yoani Sánchez reacende o debate sobre a liberdade de expressão.
Porque fiquei melancólico? Porque é o mesmo que ouvir: “reacende o debate sobre o direito a vida”. O direito a vida e a liberdade de expressão são alguns dos poucos absolutos com que podemos contar na humanidade. Não deve existir debate sobre se alguém tem direito a vida, assim como não deve existir debate sobre direito de expressão, ele é um direito e pronto.
É triste ouvir essa horda de tolos proferindo tolices, dizendo que ela é financiada pela CIA, como se fosse necessário financiar cubanos para falar mal de Fidel. Mas independentemente disso ser triste, essa horda de tolos tem o direito de dizer isso, assim como eu tenho o direito de dizer que eles são uma horda de tolos.
O infinitamente triste é ver mobilização de centenas de pessoas para impedir um ser humano livre de expressar suas opiniões. Eles não querem debater com ela, eles querem suprimí-la. Se o governo dos Castro é tão sublime e maravilhoso será que ele não pode sobreviver a algumas, ou mesmo muitas, críticas, sem a necessidade de uma horda de selvagens incultos que tem como objetivo suprimir todas as opiniões discordantes das suas?
Se Cuba é o paraíso comunista profetizado por Marx, porque não temos uma corrente migratória para Cuba, ao invés de desde Cuba? Por causa do bloqueio americano? É tão mais simples culpar os EUA em vez de assumir suas responsabilidades, não é mesmo? Recentemente eles foram culpados até pelo meteorito que caiu na Sibéria, pelo direitista Vladimir Zhirinovsky (não sei bem o que significa ser direitista na Rússia de hoje, e acredito que nem os russos saibam exatamente também).
Se Fidel foi tão moralmente superior que Batista, se ele tem tanta certeza de seu destino messiânico como salvador de Cuba, porque ele não convocou eleições há décadas? O que ele teme tanto? Bem, nós sabemos o que os ditadores temem. Mentiras não tirariam centenas de aspirantes a ditador de casa para impedir um mentiroso de falar.
Eles temem a verdade. Não temem que a verdade chegue aos outros, pois eles sabem que a maioria conhece a verdade. Eles temem que a verdade chegue a eles, aparecendo como um enorme espelho em sua frente e mostrando a eles mesmos os monstros que eles são. Eles temem que a verdade destrua suas fantasias de ditador onde eles salvam o mundo, através da supressão das vozes dissonantes do coro.
Será que uma pequena mulher mentindo seria uma ameaça ao poderoso Fidel Castro que durou por gerações e sobreviveu a meia dúzia de tentativas de assassinato? Não, certamente que não.
Mas uma grande mulher dizendo a verdade, certamente seria muito perigosa, pois ela lembra aos ditadores que eles não podem controlar tudo para sempre, que as coisas escapam ao controle. E não há nada que mais horrorize um ditador do que isso. Ela é perigosa sim, a ponto de ser necessário articular uma farsa semelhante a que Mao Tsé Tung articulava, onde estudantes espontaneamente (assim se dizia) removiam professores das classes nas universidades e os espancavam até a morte.
Mao e Fidel entrarão para a história certamente, mas não ao lado de Yoani Sánchez, Rosa Parks, e de pessoas quem nos foi roubado o direito de conhecer os nomes, heróis anônimos como o homem dos tanques em Tiananmen em 1989, ou do seu irmão também sem nome [2], na frente dos tanques russos em Praga em 1968 [1].
Mao e Fidel entrarão para a história ao lado dos covardes, como Stalin, Honecker, Pol Pot, Pinochet, Ceausescu, Ahmadinejad e centenas de pequenos aspirantes a ditador, gritando em frente a Livraria Cultura em São Paulo, gritando de medo de uma grande mulher, e foram necessários centenas destes pequenos aspirantes a ditador para tentar calar esta mulher, porque eles jamais teriam coragem de tentar isso sozinhos, sozinhos como ela enfrentou a opressão em Cuba.
Uma coisa boa eles conseguiram, eles me fizeram deixar de lado minha procrastinação e minha exaustão para escrever este post, antes que eles comecem a queimar livros também, como se fazia na Alemanha nazista.
Para encerrar e não deixar Sófocles com ciúmes já que elogiei Ésquilo e ainda o acusei de plágio, queria lembrar do herói Filoctetes. Hércules agonizando devido ao veneno da hidra colocado em uma túnica devido a um ardil de um centauro, deseja ser queimado vivo, em agradecimento por Filoctetes ter acendido o fogo ele lhe dá seu arco (isso acontece em outra peça). Ao começar a guerra de Tróia Filoctetes parte com todos para Tróia, mas ao ser mordido por uma serpente na ilha de Crise, é abandonado por Odisseu (Ulisses) em Lemnos. Depois de anos da guerra, uma vidente revela que apenas o arco de Hércules pode trazer a vitória aos gregos, e Odisseu e o filho de Aquiles voltam a Lemnos para tentar roubar o arco. No entanto o filho de Aquiles tem uma crise de consciência e devolve o arco a Filoctetes e tenta convence-lo a ir por vontade própria e este se recusa. Então Hércules desce do Olimpo para intervir e convence Filoctetes a ir para Tróia e a guerra é vencida (o fim da guerra não é mostrado na peça).
Esta peça discute o dever do indivíduo perante a sociedade, mas também o dever da sociedade perante o indivíduo, mostrando que um único homem (ou mulher) pode fazer uma enorme diferença. Lembrando dos homens dos tanques, de Rosa Parks e de Yoani Sánchez, eu acredito que um único indivíduo, às vezes, pode fazer uma enorme diferença.
Yoani Sánchez será lembrada nas gerações vindouras após o governo dos Castro cair. Mas ninguém vai lembrar dos aspirantes a ditador que no dia de hoje deixaram o Brasil envergonhado perante o mundo.
Notas
[1]. Na verdade sempre existiu uma confusão sobre esta foto. Ela foi distribuída pelo mundo todo pelas agências noticiosas, com uma legenda que dizia ter sido tirada em Praga, foi considerada uma das 100 fotos mais importantes do século XX. Apenas após a morte do fotógrafo em 1984 e com o fim do comunismo, em 1989 um amigo encontrou a foto original. Era fácil provar que ela era a original. Havia o negativo e a foto distribuída era apenas a parte central da original (a parte que você pode ver neste post acima). Mas ela não foi tirada em Praga, a foto na verdade foi tirada em Bratislava, em 1968, por Ladislav Bielik, quase tão desconhecido do mundo quanto o homem da foto. E apenas anos depois ele começou a receber o reconhecimento por esta foto. De maneira interessante o governo sabia que ele tinha tirado a foto e ele foi perseguido por isso, fazendo dele mais uma vítima, junto com o homem da foto [SSP1]. Em 2006 foi feito um leilão de cópias das fotos dele dessa época em papel de barita autenticadas, aqui pode-se ver o catálogo do leilão : [KZV1], no catálogo se podem apreciar as outras fotos da ocupação.
[2]. Quanto a identidade do homem, em 1991 um jornal eslovaco (em 1993 a Tchecoslováquia se separou em Eslováquia, cuja capital é Bratislava, e em república Tcheca cuja capital é Praga) chamado SMENA fez uma campanha para identificar o homem, e conseguiu: ele se chamava Emil Gallo, e se matou em 1971 [SME1] (referência em eslovaco infelizmente).
Referências
[SSP1]: Infamous journey of famous photo - The Slovak Spectator. Disponível em: <http://spectator.sme.sk/articles/view/16982>. Accesso em: 24 fev. 2013.
[KZV1]:BIELIK, Ladislav. Auction of photographs for the support of the camera obskura project. Bratislava , 2006. Disponível em: <http://www.konzervativizmus.sk/upload/pdf/bielikkatalog.pdf>. Accesso em: 24 fev. 2013.
[SME1]: SME.sk | Tanku nastavil hruï Emil Gallo. Disponível em: <http://www.sme.sk/c/4034149/tanku-nastavil-hrud-emil-gallo.html>. Accesso em: 24 fev. 2013.
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